Vozes altas, objetos metálicos entrechocando-se, gargalhadas. Som de pagode. O barulho a surpreende: samba é o ritmo do CTI. Pandeirinho sincopado, o mesmo que o filho de Dorotéia prometera tocar em seu casamento.
Casamento?
Berenice tenta se mover. Sobrevivera. Lembra-se de dona Aranha, dos primeiros socorros, do helicóptero, início da barafunda que terminara em cirurgia. Inspira, o ar entra com facilidade. Inspira novamente e, novamente, o ar lhe enche o peito. Tranqüiliza-se. Cortaram-lhe o pulmão esquerdo, mas ela respira sem dificuldade. Berenice pensa em Deus - "obrigada, estou viva".
O peito, as pernas, a cabeça, as costas, todo o corpo dói. Uma enfermeira se aproxima, falando sem parar. Cada palavra muitos decibéis acima do necessário.
-Oi, como vai? Hora de levantar. Vamos mexer o corpo, estimular a circulação...
Ágil, enfia o braço sob o tórax de Berenice. O gesto a corta em dor. Quer protestar, a voz não sai. A cabeça roda nas palavras da enfermeira, mexendo, cutucando, perfurando, falando, falando, falando profissionalmente assustada:
- Doutor, depressa, o leito seis.
Correria. Ritmado, o barulho de um aparelho - bip, bip,bip. Calmamente, Berenice respira. Inspira e expira, curiosa em descobrir quem morre no leito seis.
- Berenice, Berenice.
Sente os tapas no rosto, alguém chama o seu nome. Inspira. Desta vez, não consegue. Um tubo rasga a sua garganta, suprindo-a de ar. A luz forte, subitamente acesa, reconforta-a. Envolta em confusos sentimentos de perda e reencontros, de medo e de muito alívio, Berence descobre: "o leito seis sou eu".
Olha o relógio na parede: dez horas, três minutos, quase cinco segundos.
Tanto, tanto silêncio.
Primeiro capítulo de meu livro "A tecelã de sonhos" (Editora Record)
Um comentário:
Ai que primeiro capítulo ótimo! Fiquei morta de vontade de ler o livro inteiro. O farei assim que conseguir dar cabo de minha dissertação.
Tenha uma ótima semana!
Beijo.
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